Um alerta sobre a perda de biodiversidade aquática nos rios, estuários e mares gaúchos
A biodiversidade aquática do Rio Grande do Sul está entre as mais ricas do Brasil, mas também entre as mais pressionadas por atividades humanas. Rios como o Uruguai, Jacuí e Tramandaí, além de ambientes estuarinos e costeiros como a Laguna dos Patos e o litoral sul, abrigam espécies valiosas de peixes. No entanto, muitas dessas espécies enfrentam um futuro incerto, algumas já em risco crítico de extinção.
Este artigo apresenta um levantamento completo e fundamentado dos peixes ameaçados no estado, detalhando seus ecossistemas, vulnerabilidades e status legal. Também explicamos o que são os peixes anuais, um grupo particularmente sensível às mudanças ambientais. Preservar essas espécies é urgente, tanto para manter o equilíbrio ecológico quanto para garantir a sobrevivência das comunidades que vivem da pesca artesanal e sustentável.
Pressões ambientais e colapso da ictiofauna
A pesca predatória, a degradação de habitats e a ausência de políticas eficazes de conservação estão entre os fatores que mais contribuem para o desaparecimento das espécies nativas no estado. As barragens impedem o deslocamento natural dos peixes, sobretudo os migradores, enquanto a poluição orgânica e química compromete a reprodução e o desenvolvimento de juvenis.
Essas pressões atuam de forma combinada, afetando populações já frágeis. Em muitos casos, os efeitos não são imediatos, mas ao longo de poucos anos resultam em quedas drásticas no número de indivíduos, muitas vezes abaixo do ponto de recuperação natural.
Dourado (Salminus brasiliensis)
O dourado é um dos peixes ameaçados mais emblemáticos das bacias hidrográficas gaúchas. Espécie de água doce e comportamento migratório, precisa de grandes trechos de rio livre para cumprir seu ciclo reprodutivo. No entanto, a construção de hidrelétricas tem interrompido seu percurso, dificultando a desova.
Além disso, a sobrepesca, tanto esportiva quanto comercial, tem reduzido suas populações em ritmo acelerado. Por seu porte e valor comercial, o dourado é frequentemente capturado antes de atingir a maturidade, o que agrava o desequilíbrio reprodutivo da espécie.
Surubim (Pseudoplatystoma corruscans)
O surubim é outro peixe de grande porte presente em rios como o Uruguai e o Ibicuí. Assim como o dourado, é migrador e sensível a qualquer alteração no curso natural das águas. Sua carne é muito valorizada, o que o torna alvo de pesca intensiva, inclusive em períodos reprodutivos.
Com baixa taxa de reposição e desenvolvimento lento, o surubim não consegue manter suas populações diante do atual ritmo de exploração. Medidas restritivas existem, mas sua fiscalização é insuficiente. A longo prazo, sua extinção funcional pode causar efeitos em cascata na cadeia alimentar aquática.
Peixes anuais (Gênero Austrolebias)
Os peixes anuais são um grupo fascinante e extremamente frágil. Pertencentes ao gênero Austrolebias, habitam poças temporárias, brejos e banhados que se formam no verão e secam no inverno. Nesses ambientes, os adultos vivem apenas alguns meses. Após a morte, seus ovos ficam enterrados no solo úmido e resistem até a próxima estação chuvosa.
Esse ciclo de vida os torna altamente vulneráveis à destruição dos banhados, drenagem de áreas úmidas e expansão urbana desordenada. No Rio Grande do Sul, espécies como Austrolebias adloffi e Austrolebias melanoorus já estão criticamente ameaçadas. Preservar seus habitats é a única forma de garantir sua sobrevivência.
Raia-viola (Pseudobatos horkelii)
A raia-viola é uma espécie costeira e estuarina que já sofreu declínio superior a 90% nas últimas décadas. Muito capturada pela pesca de arrasto, especialmente no litoral sul do Brasil, ela demora muitos anos para atingir a maturidade e tem baixa fecundidade.
Essas características biológicas fazem com que a pesca — mesmo quando acidental — tenha impactos profundos sobre a espécie. O Rio Grande do Sul abriga áreas importantes para a reprodução da raia-viola, o que torna a proteção desses ambientes essencial.
Tubarão-martelo-recortado (Sphyrna lewini)
Presente em águas oceânicas e costeiras, o tubarão-martelo-recortado é uma das espécies mais ameaçadas de todo o Atlântico Sul. Ele sofre forte pressão devido à captura de barbatanas, mas também pela pesca acidental com redes de emalhe.
No litoral gaúcho, já foi avistado com menor frequência, e sua reprodução na região ainda é pouco compreendida. Por ser uma espécie de topo da cadeia alimentar, sua extinção pode causar desequilíbrios significativos nos ecossistemas marinhos.
Mero (Epinephelus itajara)
O mero é um dos maiores peixes recifais do Atlântico e está proibido de ser pescado no Brasil desde 2002. Atingindo até 2 metros de comprimento, é extremamente sensível à pesca por ser longevo e de crescimento lento.
Embora mais comum em áreas mais ao norte, há registros históricos da espécie no litoral do Rio Grande do Sul. Sua extinção funcional compromete o equilíbrio dos recifes e da fauna associada, sendo um símbolo das consequências da sobrepesca.
Cherne-poveiro (Polyprion americanus)
O cherne-poveiro vive em águas profundas e é alvo de pesca comercial intensiva. Apesar de sua carne ser valorizada, sua captura foi proibida por tempo indeterminado devido à redução drástica de seus estoques. A reprodução ocorre em profundidades onde a fiscalização é difícil, tornando sua recuperação ainda mais desafiadora.
No Rio Grande do Sul, os dados indicam que a espécie já não é capturada com frequência, reflexo direto de seu colapso populacional.
Bagre-branco
(Genidens barbus e Genidens planifrons)
Ambas as espécies de bagres são nativas dos sistemas estuarinos da Laguna dos Patos e do Rio Tramandaí. Historicamente, sustentaram a pesca artesanal nessas regiões. No entanto, o declínio populacional forçou a proibição de sua captura no estado desde 2016.
Esses bagres enfrentam não apenas a pressão da pesca, mas também a perda de habitat e a poluição dos estuários. A gestão ambiental precisa ser integrada com políticas sociais, pois comunidades tradicionais dependem diretamente desses recursos para sua sobrevivência.
Conclusão
O colapso dos peixes ameaçados no Rio Grande do Sul representa uma ameaça não apenas à biodiversidade, mas também ao modo de vida de milhares de famílias. Cada uma das espécies citadas neste artigo carrega consigo uma história ecológica complexa, ligada a ciclos naturais que vêm sendo interrompidos de forma alarmante.
Preservar esses peixes ameaçados é agir em favor da sustentabilidade, da justiça social e da resiliência ecológica. Para isso, é preciso fortalecer políticas públicas, ampliar a fiscalização, apoiar a ciência e ouvir os pescadores artesanais. O futuro da biodiversidade aquática gaúcha depende de escolhas conscientes feitas agora — e não quando já for tarde demais.
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Fontes consultadas:
- Ministério do Meio Ambiente
- ICMBio
- IBAMA
- Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (SEMA-RS)
- UFRGS
- Patrulha Ambiental da Brigada Militar do RS
- Prefeitura de Tramandaí
- ResearchGate
- Revista Biodiverso – UFRGS